quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Desatino

Jaz
na rua a
massa crítica
o grito
de fôlego
a marcha
reduzida
em caminhar
trôpego

E jaz
na idéia
sua resistência
as horas perdidas
a desobediência

Dilaceras
minha carne
mas não
arrebata
minha alma,
Mostra-me
a essência
das fendas
na calçada,
que sou
puro
suicídio
no desequilibrio
torpe.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Experimento

Olhos de águia,
Coração ardente,
Sou menos
o que voa
do que aquele
que sente

o vento
por debaixo
das asas,
das costas,

o arrepio
pêlos,
das penas,

o aroma inodoro
da água
atravessando
o tecido
mucoso
das narinas

A pressão firme
da terra
exercendo força
contrária aos
dedos

a planta do pé
que planta
a estrutura
corpórea
no solo
trazendo
à tona
o que
Kundera chamou
a insustentável
leveza do ser,

seja ela,
física,
mental,
ou pura obra
do destino.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Amar é

O amor
não é
gramática,
sem regência
ou concordância
amar é
matemática,
é solução
trágica
é o encontro
entre duas
peles
uma inerte
a outra
estática

Pablo

Violenta
meu espírito
para que
tudo
que é frágil
se extingua

Mostra-me
o porque
da minha
fraqueza,
como a
fluidez
dos meus
passos,
sustenta
o medo
profundo

Atira-me
contra
o chão
para que
da fúria
renasça
minha ânsia
revolucionária

Liberta-me,
suplico-te,
liberta-me
pois nada
me faz mais
morto
do que
o cárcere
da solidão
individual

Nada me
degrada tanto
quanto a lógica
atomística,
inconscientemente
internalizada
que acompanha-me
em cada gesto,
em cada palavra,
como nome,
sobrenome,
como parte
de mim.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Gregos e Troianos

Brada forte
intrépido
Caronte
tua larga
flâmula
erguida
pela inépcia
da pouca
fortuna
que na falta
de outra
coisa,
são teu meio
de existência

Ergue teu
símbolo
fálico,
indubitavelmente
fálico
para que sirva
de alvo
de corrente
de guia
pros passos
descalços
dos camponeses,
nas linhas
que jamais
traçastes

Infla a
grande bomba
construída
das centelhas
de lágrimas
e de fé,
cuidadosamente
coletadas,
silenciosamente
disfarçadas,
para que
em seu íntimo,
exploda como
convulsão ardente

Para que emerga
como a vida
que brota
nas fendas
da firme
estrutura de
concreto

Para que renasça
como
cavalo-de-tróia,
herança humana
do espírito
que eternamente
nos conduz,
ao começo.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Rapsódia tragicômica

Retomo
vacilante
o velho
... experimento
abandonado

Certo da
trajetória,
do fim
inescapável,
retomo os passos
insolúveis
em doce
infantilidade

Coração negro
de fervura,
sinapses
sistemáticas,
sinestésicas
ilusórias

Caminhos e
descaminhos
em colisões
perpétuas,
ignóbeis

Tudo
ritimizado,
vitimizado,
minimizado

Já não há
palavras
Já não há
desculpas

Agora
é tudo
velho,
a mesma
sinfonia,
a mesma
ópera,
os mesmos
atores
nos mesmos
lugares
com as mesmas
piadas.

Tudo
automaticamente
salvo,
dói.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Visão Noturna

Vejo
gotas
de sangue
disfarçadas
em semblantes
tristes

Vejo
a felicidade
desconexa
brotando
em cantos
lineares

Vejo a luz
tomada de
sombras,
de carcaças
de corpos
em
sub-existência

Vejo
a fala fácil
do mar
de sangue-sugas,
a discórdia
engendrada na
alma
dos homens,
a desgraça
regurgitada
como nova lei

Melhor seria ser cego

Estética

Trago-te
poesia
em forma
de canto,
na vã
esperança
que sõe
magnético
e te atraia
para meu
mundo perdido
de fantasias

Encadeio
palavras
em versos
para que
sejam fortes
coletivamente
e não caiam
no abismo
insólito
da liberdade
individual

Prendo-os,
reviro-os
transformando
sua pobre
essência
na aventura
virtuosa
do meu
ser

Respiro-os,
vomito-os
me alimento
de seus
sintagmas

Reinvindico
seu prazer
estético
em uma
linguagem
puramente
matemática

Desperto-os
do tédio
e das
elocubrações
simplesmente
para que
se façam
reais,
encantados
e exclusivamente
teus.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Medo

Temo
Por meus versos
E suas qualidades
Tristes

Temo
Que o medo
Me corroa
Transformando-me
Num bobo inerte

Temo
Que o meu
não movimento
me arraste
para a estrada
da volúpia

Temo mais
Que meu fim
Esteja próximo
E que eu parta
Sem deixar
Sequer uma
Cicatriz

Temo ainda
Que as palavras
Que profiro
Soem efêmeras

Temo por fim
Que a minha
Falta de coragem
Me impeça
De sentir
As coisas
E me torne
Pálido

Exceto isso,
Temo a mim

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Invólucro

Manhã cinzenta, passos cruzados no asfalto caminham independentes rumo um destino premeditado, o mesmo de ontem de amanhã e de todo o resto da semana. Augusto caminha especialmente apressado e absorto em pensamentos, tentando sistematizar mentalmente as dezenas de tarefas sem a certeza de conseguir almoçar. Os transeuntes passam ao seu lado sem tocá-lo, conhecidos trocam comprimentos sem desperta-lo, seus passos leves e esquivos lhe permitem uma agilidade sobre-humana, são prova de uma perícia inconscientemente desenvolvida. Chega ao escritório e ao sentar –se encara o bilhete amarelo em frente a tela do computador que o lembra de sua primeira tarefa “Ligar para mamãe para saber como ela está”, toma rapidamente o telefone do gancho e em menos de três minutos resolve a questão. Liga o computador, acessa a internet para ver por cima as notícias do dia, comprimidas em micro anúncios que mais desinformam do que outra coisa, abre seu horóscopo, ri sem demora da piada do dia e finalmente parte para suas tarefas profissionais. Perde-se no meio dos papéis. Na hora do almoço sai apressado, vai ao banco, reclama da fila, busca o filho na escola perguntando por obrigação sobre como foi a aula, deixa-o em casa sem tempo para o almoço e corre para o escritório aonde passa o resto da tarde à rasgar papéis e a gritar com a secretária. Nove e meia da noite abandona o trabalho, já três horas atrasado e corre para casa enquanto maquina seu dia de amanhã, acelera o passo e ao virar na esquina colide frontalmente com um velho que vinha do outro lado. Caído tenta aos trancos recobrar a consciência e ao conseguir se depara com uma figura pequena, excessivamente magra e um tanto degradada pelo tempo que jaz em sua frente absolutamente estatelada. Quem seria ? O que haveria impedido seus passos de prosseguir com sua trajetória mecânica? Assustado Augusto observa aquela figura estranha com dois olhos, duas pernas e uma boca, enquanto ela se levanta com dificuldade soltando alguns insultos. O homem se arruma, recolhe seu chapéu do chão e parte, deixando Augusto inerte na beira da calçada. Que rua era aquela? Como chegaria em casa? Levantou-se mais calmo e aos poucos foi descobrindo o ambiente, sentiu o cheiro do asfalto recentemente molhado pela chuva, recolheu do chão sua pasta que agora parecia pesar uma tonelada e sentiu as costas doerem, talvez da queda, ou então do peso que carregava diariamente . Foi descobrindo rua por rua o caminho do lar e ao chegar olhou para a esposa adormecida no sofá, preparou um chá e se sentou em sua poltrona meditando um pouco pela primeira vez em meses. Olhou a casa, o carro estacionado na garagem, a esposa e o filho dormentes, perambulou pela casa por toda a madrugada. Sentou-se em frente a janela, o sol nascia do lado de fora, com ele novamente os problemas voltavam a o assaltá-lo, olhou atento uma última vez para os primeiros raios que cruzavam as folhas do pessegueiro instalado em frente a sua casa sentiu vergonha do invólucro que se tornara.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

L

O cheiro do teu sexo
Me inunda,
Me persegue

Rompe em mim
Como desejo
Secreto

Me destroça
Como hímen
Inelástico

Me engana,
Como amor
cego de
artista

Caio em mim
inexistente,
desperto bobo
da natureza
flagrante

Retomo o
tempo,
o trabalho
a rotina,
só para
me perder
denovo,
num soneto,
numa carta
ou em
qualquer noite,
numa
segunda-feira.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Trauma

Troco
Passos
Por
Palavras

Perduro
Infinito,
Trotante
Insólito,

Vibra
Coração
Recalcitrante,
Inquilino
Da mesmisse

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Pétalas Suicídas

Dou-te
esta rosa
como prova
de meu
desacato

Toma-a,
recolha-a
e finja
que é tua
como todo
resto
que tens

Sonha com
o mundo
perdendo-te
em delírios
infantis

Inebria-te
com as coisas,
o dinheiro,
as pessoas

Conquista
a tudo
e a todos
como se
tudo
realmente
pudesse
ser
conquistado

Prova ao mundo,
que és senhor
de si
e de tuas
posses

Mas quando caires,
quando finalmente
despertares
de teu universo
ânimico

Lembra-te da rosa,
que sendo parte
de mim
foi a única coisa
que verdadeiramente
te pertenceu

Meu desprezo,
meu protesto,
meu desespero.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Bravura Indômita

Para minha amiga Ruthe



Deixa,
Que o disparo
Das lágrimas
Acalme a ira
Transcedental
E infinita
Do meu ser

Permita
Que a resistência
do eco
Íntimo
sobreviva à lógica
Interna da
Força centrípeta

Entenda
Meu radicalismo,
Não segundo
Minha língua,
Mas pelo meu silêncio


Que sinto
A natureza
Inóspita
Arder em
Em febre,
Que respiro
O vento como
Se fosse terra

Que caminho
Como quem
já soube
Andar,
Que um dia
Já soube
Quem fui
E que agora
Escrevo para
Não ser

Busque em
Mim a razão
Da fala em
Súplica,
A curta estrada
Do meu pensamento,
A triste história
dos versos perpétuos

Só não me ignore,
Faça o que quiser,
Mas não me ignore
porque na indiferença
Reside minha pior falha,
Meu gesto egoísta,
O fio fino da vida,
O pano de minha
mortalha

Que minha presença
seja intempére,
que nada no mundo
se refira a mim
mas que algo exista
para que eu chame
de lar

Só então, acorda-me

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Um Q a mais

Que teus versos
respirem silêncio

Que tua calma
contagie meu tédio
em gozos infiéis

Que nada cintile mais
que a angústia
de viver arrastado

Que o ontem e o hoje
se tornem um único
polímero, virtual
e inexistente

Que a desordem se
instaure
como princípio
irrisório,
inquietante

Que o medo
seja sentido
em outra
dimensão

Que a memória
se liberte do tempo
e cada coisa
de sua essência

Que nada exista
senão mentira,
louca,insensata
nova


Que nada seja.

sábado, 29 de outubro de 2011

Dislexia

Tristes tempos,
protestante
é não católico,
não quem grita,
quem ouve


Tudo é
massa,
inerte,
fraca,
falsa


Sempre a ordem,
a maldita ordem!
Sempre o Medo,
a velha insegurança
diante da mudança

Chamam-nos Marxistas,
baderneiros,
anarquistas,
irresponsáveis,
trogloditas

Maldizem o mundo,
mas estão parados,
Criticam politicos,
mas estão calados,
Reclamam do tempo,
mas estão celados


Percam por omissão,
denunciam o próprio
irmão,
figem buscar liberdade,
mas lutam pela
escravidão.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Silêncio em Wall Street

Fina febre
Estampa,
Corrói,
o rosto,
a alma

Convulsão louca,
Arrastada,
Cria a força
O corpo,
O ultimo centésimo

Cem mil pessoas
Na rua,
e nada

Um décimo de
Milhão
E um silêncio
Mortal

Quatro cantos
Do mundo
Gritando
No vácuo

Toda a voz ,
Respirando
Desprezo

E a velha peça
Posta novamente
Em cartaz

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Anomia

Vaga alma,
translúcida,
resquícios
da manhã
solar

Conflito de
entremundos,
sinestésico,
pobre de espírito,
é jaula de ferro

É medo
É sono
É mundo

Anestésico

Epopéia Animal

(História de burrinhos)


Acorda,
Levanta,
Come,
Trabalha,
Come,
Trabalha,
Come,
Dorme

Repete tudo
cinco vezes,
sempre no
imperativo,
até ficar
cansado

Acorda..

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O homem mais feliz do mundo

Em um dia como outro, o filho mais velho( mais ou menos com seus 17 anos) entra na sala de estar apressado e de súbito dirige-se ao seu velho questionando-o:

- Bom dia Pai! Estive pensando sério e gostaria de saber quando é que vou poder ter meu próprio carro?

O pai um pouco surpreso com o novo interesse do filho refletiu um pouco e resolveu por retrucar a ele com uma outra pergunta:

- Bom meu filho, isso depende muito, já sabe o que vai querer fazer de sua vida quando terminar a escola?

Nesse momento o filho encolhido, com ar de quem já havia pensado nisso mas ainda estava indeciso respondeu timidamente:

- Bem, andei pensando em estudar letras ou pedagogia, gosto bastante de ler e acho importante trabalhar com algo como a educação, mas não sei, ainda estou um pouco confuso...

O pai com cara de assustado e esforçando por se conter e manter seu status de autoridade responde em ar de conselho:

- Bom meu filho, nesse caso é possível que demore um pouco para que você venha a ter seu carro, essas carreiras são complicadas, trabalha-se muito e ganha-se mal, acredito que não seja o caminho mais fácil.

O filho ainda aturdido com a notícia e meio que em tom de súplica pergunta então a seu mestre:

- Então por favor me diga meu pai, qual profissão devo seguir? Como posso ter meu carro, minha casa e uma vida feliz?

Sem pensar duas vezes o pai responde como se fosse sábio:

- É melhor que você curse administração e arrume emprego na direção de alguma grande empresa da área de serviços, ou então faça engenharia e consiga se encaixar em alguma montadora multinacional, dessa forma vai com certeza estar um passo mais próximo de seu carro.

- Além do mais, letras e pedagogia não são cursos para homens.

O menino ainda meio perdido, sem saber se contava ao pai sobre seu profundo ódio para com a matemática e sua novíssima atração por meninos, e muito preocupado com a idéia de manter seu sonho automotivo vivo respondeu então avidamente:

- Então está decidido meu pai! Vou estudar engenharia comprar meu carro, arrumar uma esposa bonita ter dois filhos lindos e ser o homem mais feliz do mundo!

E o pai sorriu aliviado enquanto observava seu filho escapulindo pela porta da sala pensando “Meu menino cresceu e está muito bem encaminhado, fui um ótimo pai”, levantou-se do sofá, fechou o jornal e seguiu para cozinha.

Nesse meio tempo o filho mais novo que observava tudo (mais ou menos dez anos) pensava decididamente enquanto brincava com seus aviões de brinquedo: “Pois eu vou ser piloto de avião, passar quarenta horas por semana viajando pelo mundo, trabalhando e vivendo as coisas que eu mais gosto e no máximo duas horas dentro de um carro estúpido só pra que me leve aonde eu quero”.

O filho mais novo ainda não estava bem encaminhado..

Aleatoriedade

É difícil
ser poeta,
poesia não
nasce em
árvore,
brota da
carne

Nem todo
verso
é poesia,
Nem toda
poesia,
é verso

Nem todo
poeta
é homem,
Nem todo
homem
é poeta

Não é tão
simples,
matemático
é randômico,
problemático

É cinco em
mil,
vinte em
cem,
uma alma
acorrentada,
que da arte
é refém

sábado, 8 de outubro de 2011

Solidão Eterna

Pequeno,
Irrisível,
Solitário
Eis o impacto
monumental
do concreto
sobre as
vertebras

Eis ai o homem
perdido na solidez
de seu corpo
oco

Eis ai a construção
do tempo
sobre a fina
estampa existencial
e multiforme
do homossapiens

Pura opressão,
passos e asfalto
misturados
trocando ofensas
mútuas

Pura confusão,
liberdade e
livre-arbitrio
significando
um diagnóstico
precoce

Irredutível,
Irresoluto
Irreversivel,
Irreal

Pouco mais
do que se é,
bem menos do que
deveria ser.

sábado, 1 de outubro de 2011

Relance

acordei hoje perdendo o mundo, a consciência. Porque é que fui abrir denovo essa porta? Porque sempre essa necessidade louca e irredutível de trocar o torpor pela angústia?Sinceramente não sei se sinto falta do que passou ou se simplesmente não sou maiz capaz de conviver comigo. Parece, que tendo iluminado cada canto de minha existência, fui me esvaindo e desvendando as vozes comunais que guiam todos os meu passos. As linhas de força, ah essas linhas de força que inssistem em trazer uma rota mesma a tona, e eu que não tenho mais ninguém para me estabilizar desestabilizando. Me contento com a tua ausência que por si só me torna permanentemente instável, já não posso mais escrever sobre um mundo que não mais habito, seria falso. Sou por fim condenado a escrever infinitamente dentro dessa esfera burra e intimista. Minha nova casa é esse terror egocentrico que inssiste em me prender dentro de um cubículo sem janelas. Nem os ratos vivem aqui, o ar é pesado e isso afasta toda e qualquer forma de vida, ninguém gosta de viver no escuro. Vivo a reclamar do stress, do cansaço, da rotina, mas não sou capaz sequer de manipular o ócio sem deixar que vire tédio, não consigo conviver comigo nem sequer por um único final de semana, e no entanto estou condenado a mim para eternidade. Troco constantemente a frênesi imposta pela deliberada, tudo acaba por se resumir a uma mera questão de livre arbítrio. Não vai passar tão rápido, desta vez a dose foi cavalar, algo na natureza da coisa mudou, mundo e corpo se uniram na mesma reação convulsiva e tenho que segurar isso um pouco, não posso perder essa chance de me ver realmente antes que o mundo se reconfigure, não conseguiria nem que quizesse. Tenho que voltar à vida, deixei os selos pela metade e ningúem vai me perdoar, mas no momento não consigo sentir nada que me guie. Para onde foram aqueles cheiros que me alegravam? Será mesmo que vou ter que me contentar com o café e com as bolachas? Pelo menos o café cheira bem, quanto ao gosto, da-se um jeito. Talvez eu devesse degusta-los ao sol, me deixar sintetizar um pouco de vitamina E sem filtro solar, fingindo acreditar que a felicidade é algo biológico ou perene. Não daria certo, não consigo acreditar mais na ciência, aliás, acho que não acredito mais em nada. Em nada que dure mais do que um único instante e que provoque em mim um choque estúpido, só isso me faz viver, só isso me tira de minha condição de estátua. Pena que como os eclipses solares, isso só acontece raramente, e se acaba na mesma velocidade com que acontece deixando pros minutos subsequentes apenas resquícios de sombra e luz.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Multidão

Para Alex



Eram dois,
chegaram
mais três
somou-se
mais um
agora
eram seis


De seis
em seis
fizeram-se
mil
massa imbele,
desorganizada

Faltava espaço,
faltava a casa
a da Palavra,
a das Monções
a da Eduardo

E dessa tríade
fizeram-se
outras

A multidão
já não era
massa
era coletivo

Veio a Cena,
veio retrato,
veio lobo,
veio até marte

Duas dúzias
de Andreenses
celebrando
a vida
em arte.

As Quatro Estações

Acho que bebi demais,
foi capuava,
ou catuaba?

Não importa,
esse balanço
me enjoa

E essa voz
eletrônica
que diz coisas
que não
entendo?

Ah!
Como odeio a esmeralda!

Não importa,
tenho que ir até
o prefeito

Qual dos dois?
O do centro,
ou o da esquerda?
Saladino,
ou Daniel?

Alguém faça
essa mulher
calar a boca!

Puxa vida!
Deixei o prefeito
escapar.

Quem foi
o idiota
que me deixou
passar do ponto?
Foi Utinga.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Maquinaria

Há espaço
para poesia,
nos estalos
mecânicos,
da Maquinaria,
no zunido
caótico
da sinfonia,
nas horas
perdidas
na mais valia,
no torpor
constante
do dia-a-dia?

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Escarro

Cada dia que renasço
perco o ontem,
a memória

Cada levantar vacilante
é apenas
a peça subsequente
da sentença perpétua

Toda nova manhã,
é um ignorar contínuo
de amigos desconhecidos,
e eu já nao sei ser ninguém

Toda esquina é a mesma,
a única,
e eu já não sei o caminho

Todo dominó
falta uma peça

Todos baralho
falta uma carta

Nada mais é como era
tudo agora,
é suspenso

Nada pode ser novidade,
tudo é segunda feira

Tudo parece oco,
uma profundidade,
vazia

Tudo parece inútil,
infinito,
efêmero

Eu preciso de férias do mundo.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Poesia do instante

Alguns "Quase Haikais" sobre a "Vida"


1 -
O poeta
Pensativo
Respira ideias,
Significa
Vidas

2 -
Viver
Não é Ciência
Fantasia
ou diligência
viver
é consequência

3 –
A vida inerte
Repete
a vida inerte
Infinita,
Suicida

4 –
Vivo
Logo
Inexisto

5-
A vida toda
Leva
Toda a vida
Para ser
contada

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Desencantamento do Mundo

Para Clarice Lispector



Luzes
na contramão,
coração
saltando a boca,
impulsos
frígidos
de uma utopia
falsa

Banalidades
metralhando
a estrutura,
a mesmisse,

O destino
se escancarando
na esquina,
como se nada
antes
existisse

Tudo completo
e desorganizado,
um emaranhado de
desapegos
convulsionando
nos milésimos
obscuros de um
segundo qualquer

Uma antítese
instantânea,
O suor cadente
contando
o tempo
como se fosse
relógio


Toda uma existência
impessoal,
se revelando
como parte íntima
de um ser inóspito,
um "It"


Todo um esforço
ético,
uma verdade
controlada,
uma encenação
cíclica
do culto de algo
que no fim,
talvez nem
exista

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Infinito Provisório

Magoas profundas,
A finitude do momento
cala o silêncio,
cala o tempo,
cala as vozes

As raízes dinásticas
deixam no mundo
marcas mundanas,
pessoas mundanas,
terras mundanas,
saudades humanas

Nada que se concerte,
cicatrizes do espírito,
chagas da alma,
desespero do instante

Nada que valha a pena,
construções evanescentes
de um futuro incerto,
Projeto do destino,
irreal ou inconcreto


Nada que dure muito,
apenas segundos
minutos,
horas,
dimensões acumuladas,
e uma mesma história,
com começo,
meio
e fim

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Cotidiano urbano

Os faróis verdes,
as bicicletas,
a vida toda em deboche
os homens à brincar
de mundo,
e o mundo à brincar
de fantoche


As ruas à traçar
as rotas
As rotas a traçar
as vidas
Os carros a pilotar
os homens
Os homens a pilotar
o tédio


A realidade à se acabar
nos cruzamentos,
nua e crua,
como só ela sabe ser

A esperança à se acabar
no infinito duro
do cotidiano,
como se nada fosse acontecer


Um vai e vem perpétuo
Um perambular clandestino
Os atores a venerar seu totem
Joões-bobo do destino

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Poética do dia Mudo

Não sei
se é a morte
que cala
Ou se é
a vida
que não deixa
falar

Realmente
não sei
se o despertar
é sonoro
se cada dia
é um novo reino
ou se o império
é o silêncio

Eu não faço idéia
se X não é Z,
se a segunda
não é terça,
se o galo não canta
porque está triste,
ou se está doente

Eu já não sei,
se é de noite,
ou se é de dia,
se é hora de dormir,
ou de vigiar
se tudo em volta
é carnaval,
se a festa é delírio,
se vivo,
no hospital

Eu já não posso
esperar,
pra saber,
se me perdi,
ou se me encontrei,
se calado eu canto,
se cantando,
ouço

Eu deveria saber,
se o que eu vivo
é o começo
ou se é o fim,
não pode ser o meio.

O começo é parco,
insinuante
o fim é grandioso,
exemplar

Começo e fim,
dois braços
de uma mesma
megalomania


Já o meio,
não pode
ser o meio,
nele tudo é tão,
diferente,
alheio

Mas tudo é tão,
igual

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Teu último Sol

Teu último Sol
foi lindo
Pena,
que nada vistes

Carregar-te,
naquela rua estreita,
foi como bater um prego
no corpo
na alma

Pena que
os ultimos raios
do teu sol derradeiro
não foram capazes
de transpassar os tijolos
o concreto,
a matéria

E aquela rua,
a mesma dita,
que tu deceste
tantas vezes
a carpir o desgoto,
a dor,
o teu amor arrancado,
foi a mesma,
a única,
pela qual devolveram-te
No deslizar suave
das rodinhas

E se agora deixa lágrimas,
são de saudade,
de calma,
de tranquilidade,
são desafogo
da alma,
grito irreprimível
tua última centelha
tua vida que jaz no peito
do mundo,
de todos

Nada vai te substituir,
nada vai ser como era,
não adianta
isso nao precisa ser
tão poético
Dói! e pronto!
a dor não é poética

E nem sei
se sou poeta,
se a poesia de fato
existe
A poeta é tú
que sem saber escrever,
fez versos mais lindos
que eu nunca escreveria

Vai te agora,
ide em paz
sentimos sua falta
nunca será esquecida


Sempre te amarei Dozolina Toniollo Sereno!

Luto

"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é so um dia mais".

José Saramago

domingo, 4 de setembro de 2011

Condenação

Logo no primeiro dia
do outono,
derrubou-se sobre a mesa,
o martelo,
o destino

Anunciou sem pressa,
a sentença irreversível
Seu crime: pensar
Sua pena: escrever

Escolheu a poesia
e mãos dadas com ela
amou e sofreu,
um perambular perpétuo,
entre o peso e a leveza

Trouxe consigo alguns poucos versos,
tortos, feitos a mão,
ora carregando-os,
ora sendo carregado

Viveu como se fosse uma ode,
a exaltar a existência egoísta
de seu próprio ser

Procurou exaustivamente
sua rima,
sem jamais a encontrar

E de súbito,
no desapego cotidiano,
se foi,
desaparecendo
gradualmente
com os timbres da voz,
que um dia
o pronunciara