domingo, 5 de fevereiro de 2012

Exangue

Ele percebia seu tom de perturbação pelo ritmo acelerado do movimento das pálpebras. Ela, sentada sobre o banco a meio sol, resgatava na memória as poucas cenas que então lhe eram permitidas. Tentavam remontar pacientemente o caminho traçado até o presente lugar, o banco, a mesa de pedra, sentados frente a frente, separados por um abismo. Era um jogo do silêncio, cada movimento, cada suspiro, significavam coisas novas completamente indecifráveis para o outro. Nove anos de convivência mutua e eram perfeitos estranhos.
- Vou embora, disse ele.
-Estou grávida, retrucou a moça.
As palavras soaram exangues, tudo era neutro. Estavam agora à cinqüenta mil quilômetros um do outro.
O samba ambiente do bar, os transeuntes em passos matinais, o ruído do rio distante soando como sussurro, formavam o cenário perfeito para a típica tragédia urbana.

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